segunda-feira, 10 de junho de 2013

A Invasão e a Evangelização na América Latina


Resenha do texto: LEÓN, Mário A. Rodríguez. A Invasão e a Evangelização na América Latina (século XVI). In: DUSSELL, Enrique. Historia Liberationis: 500 anos de História da Igreja na América Latina. São Paulo: Paulinas, 1992, pp. 69-88.

 Felipe Sardinha Bueno

            “A espada e a cruz marcharam juntas na conquista e despojo colonial” (GALEANO apud  LEÓN, 1992, p. 81) - O presente texto tem por eixo temático central o processo colonizador ibérico (luso-hispânico) na América Latina, a construção da evangelização – a introdução dos trabalhos do Catolicismo nesse continente, e dessa forma as contradições erigidas entre o Evangelho – causa prima do anúncio da fé – e os interesses das Coroas, nem sempre tão “cristãos”, i.e., fundamentados na cultura da exploração do “Novo Mundo”, seja da terra, seja dos nativos (encomiendas).

            No que tange à estrutura metodológica utilizada pelo autor, a produção do corpo textual se deu da seguinte forma: subdivisão em nove partes, sendo oito referentes ao caminho de dominação dos novos territórios por parte dos reinos de Espanha e Portugal, sendo especificado em cada item como se deu a penetração desses junto com a Igreja em cada região de colônia: La Española, Porto Rico, Cuba, O México e a América Central, Costa Firme (Colômbia e Venezuela), A zona andina dos incas (Peru e Equador), O cone sul (Argentina, Paraguai e Uruguai), e o Brasil (única colônia portuguesa). O último ponto redigiu-se à guisa de observações finais.

            Antes de se adentrar no aspecto eclesial das primícias históricas da América Latina, necessita ser compreendido o porquê dessa “missão” desbravadora dos espanhóis e portugueses. Não era somente o interesse de evangelização dos pagãos que se erguia na mentalidade branca, contudo o marcado desejo econômico, de encontrar ouro e prata, de enriquecer a custa dos índios, de usurpar suas terras e delas retirar as riquezas encontradas. Pode-se lembrar como exemplo Potosí, “nervo principal do reino”, conforme afirmou o vice-rei de Peru, Hurtado de Mendonza. Foi essa dinâmica de manipulação dos metais preciosos, a qual permitiu a edificação de palácios, catedrais, mosteiros, enfim o deslanchamento da aventura colonial. Interesses de Cruz (anúncio da Boa Nova aos não-cristãos) e Espada (controle de terras e servidão) interconectados.   

            Quando se fala do papel da Igreja nesse contexto elencado acima, não se pode generalizar a ação dos seus “filhos”, de modo particular os religiosos, principais personagens no ato evangelizador, como caráter uniforme, ou seja, todos ao lado dos opressores ou dos índios. Assim como houve franciscanos, mercedários, dominicanos, agostinianos, clérigos seculares, e bispos pró-Metrópole, entre eles: Frei García de Toledo (“cristologia ao revés”, o ouro como mediação da redenção dos índios, pois foi graças a ele que os conquistadores chegaram e puderam oferecer a salvação trazida por Cristo), Frei Bartolomeu de Olmedo (companheiro de Hernán Cortês, líder o qual dominou os aztecas em México e favoreceu a conversão desses à fé cristã), o bispo Manso (que solicitou ao então imperador Carlos V a compra de escravos trazidos da África para edificação de sua catedral e do labor de suas areias auríferas), Frei Miguel Ramírez (dominicano, bispo em Cuba, indiferente às injustiças vigentes); houve também aqueles que defenderam os índios, foram opositores à escravidão desses nativos e manifestaram-se contrários, por essa conduta, aos colonos que intentavam no massacre a esses fragilizados pelo sistema mercantilista de sua época. Dentre eles podemos destacar: Frei Bartolomeu de Las Casas, Frei Antonio Montesino, D. Antonio de Valdivieso, bispo em Nicarágua (martirizado a mando do governador local, Rodrigo de Contreras), entre outros.

            Sendo diferentes as posturas dos protagonistas da evangelização, assim também o foi no método utilizado no projeto expansionista da Doutrina, e na relação com a “matéria humana” encontrada, i.e., índios de tradições distintas, de modus vivendi diferentes: maias, aztecas, incas, taínos (que acreditavam em um único deus supremo), cujas recepções aos “arautos da fé” também se comportaram variadas, alguns os aceitaram com tranquilidade, como no Uruguai (cf. p. 81), outros, não obstante, com agressividade ao ponto do martírio acontecer com frades dominicanos em Piritu, na Venezuela, em 1515 (cf. p. 78). Porém, aquilo que de fato foi comum em quase todos os territórios foi a dizimação de parte significativa das populações locais, que por aderirem ao Catolicismo não conseguiram necessariamente se manter livres dos anseios exploratórios e crueis dos colonos, a ponto de em Cuba de 100 mil nativos terem sido diminuídos à soma de 14 mil em 1532.

            Em meio a essas tribulações político-religiosas, a Igreja foi estabelecendo seus alicerces, criando dioceses (São João do Porto Rico – primeira a ter bispo – D. Alonso Manso, em 1512 - nas novas terras conquistadas. Faz-se mister ressaltar que os três primeiros bispados eram sufragâneos da sede episcopal de Sevilha); arquidioceses (México – em 1546); formando comunidades religiosas (Em 1559, no México, existiam 80 casas franciscanas com 380 frades, 40 residências dominicanas com 210 frades e 40 conventos agostinianos com 212 frades); construindo igrejas, erigindo paróquias e até mesmo abadia (Em 1515, na Jamaica).

            Diferentemente do avanço das estruturas institucionais na América espanhola, no Brasil, colônia portuguesa, caracterizou-se de modo lento, inclusive pelas suas dimensões físico-geográficas. Ocorreu a forte participação de outro grupo que terá importância na História da cristianização latinoamericana, que foram os membros da Companhia de Jesus, os quais se espalharam pelo território, catequisando os índios em  língua tupi-guarani, fato que incomodará o bispo Sardinha – primeiro bispo dessa colônia, cuja diocese foi criada em 1551.

            Certamente observando esses dados pode-se intuir que a aliança entre Cruz e Espada se consolidou não como evento simplista e pacífico. Existiu muita oposição, divisão entre religiosos, e derramamento de sangue em quantidade expressiva. Mesmo entre os leigos que estiveram nessas terras, haviam aqueles de boa índole, com reta consciência, autênticos cristãos, os quais não se conjugaram como dialéticos com a opressão exercida por seus compatriotas.  Frei Mário Leon, autor desse texto, termina por nomear esse período como provido de “luzes e sombras” (cf. p. 86), e dessa forma convida-nos à reflexão e ação a partir da perspectiva dos pobres e marginalizados, há séculos condenados em nossas terras; exorta-nos a virarmos essa roda histórica, a não repetirmos certos erros e a verdadeiramente assumirmos o projeto do Reino de Deus e a justiça a ele entrelaçada.

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