Resenha do texto: LUSTOSA, Oscar
Figueiredo. Igreja e regime político
militar no Brasil: o ritmo das contradições (1964-1984). In: ID. A Igreja católica no Brasil República.
São Paulo: Paulinas, 1991, 72-88.
“[...] Igreja como comunidade a serviço do povo” (p. 85) – a configuração
histórica da Igreja Católica no Brasil no período militar-ditatorial,
correspondente ao período de 1964 a 1984, nem sempre assumiu a postura prevista
pela citação inicial desse texto: devido à “marxismopatia” presente nos círculos
católicos, com a derrubada do governo de João Goulart (de tendência populista
com alianças esquerdistas), a Igreja mostrou-se favorável, de início, à pseudo-ordem
estabelecida pelos militares, os quais se apresentaram, em muitos casos, como “cristãos”
no que tange a sua identidade religiosa oficial (Ernesto Geisel era
protestante) e respeitadores dos direitos das igrejas, sendo, tal colaboração,
com o Estado e aos “interesses da pátria”, uma artimanha ideológica de
utilização da Igreja na contribuição aos interesses desses detentores da
autoridade política (generais e marechais à frente do país): Costa e Silva, por
exemplo, encontrando-se com o papa Paulo VI, na segunda metade dos anos
sessenta, em gentilezas ao pontífice, indicaria, não verdadeiramente, um clima
idealista de paz e entendimento, sem atitudes de pressão aos membros da Igreja
envolvidos com o propalar de um Brasil distinto.
Já no engatinhar do regime, a religião católica foi observando as
falácias presentes no agir daqueles que deveriam prover o bem comum. Com a Lei
de Segurança Nacional adjunta aos atos institucionais promulgados pelo poder
executivo, além do modelo de educação das consciências por meio de disciplinas
escolares tais qual Moral e Cívica, a Igreja foi se mostrando contrária a esse
“modelo de ser estatal” – pode-se aqui se lembrar do Centro de Estudos e Ação
Social da Bahia, mantido pelos jesuítas, que denunciava a cúpula governamental
por se apoiar sobre o campo “estritamente espiritual” da Igreja, i.e., a
tentativa de calar seus posicionamentos sócio-políticos em detrimento do
cumprimento único da função transcendente do anúncio cristão. A ditadura, nesse
sentido, se degenerará, permitindo-se à tortura, perseguição e até morte de
“inimigos políticos”, aqueles que não jogavam com as regras do sistema vigente.
Entre as vítimas podemos apontar padre Henrique Pereira, assassinado em 1969, assistente
de Dom Hélder Câmara (arcebispo de Olinda e Recife). Havendo também observação
atenta dos militares a algumas lideranças eclesiais desse tempo como a D. Pedro
Casaldáliga (S. Félix do Araguaia), D. Paulo Evaristo Arns (São Paulo), D.
Tomás Balduino (Goiás), D. Estevão Avelar (Conceição do Araguaia) e D. Alano
Pena (Marabá-Pará), sendo os dois últimos passivos de interrogatório pelo
exército em Belém do Pará, na pessoa do general Euclides de Figueiredo.
“A Igreja oficial começa a abrir os olhos e tomar consciência de que o
governo dos militares tinha ido longe demais na política de coerção [...]” (p.
80) – esse comportamento se denotará de forma direta na comunidade católica
(não em sua totalidade, pois alguns fieis direitistas-burgueses permanecerão ao
lado do governo tirânico) pela participação em atos coletivos anti-repressão
(casos de W. Herzog e Manuel Fiel Filho) e indireta, pelo processo de
conscientização política, crítica e objetiva, manifesto em publicações da CNBB
como “Exigências cristãs de uma Ordem Política” (1973), “Comunicação Pastoral
ao Povo de Deus” (1976), “Reflexão cristã sobre a conjuntura política” (1981),
“Por uma nova ordem constitucional” (1986). Será nesse contexto que se
desenvolverá um compromisso forte na causa dos pobres por parte de setores da
hierarquia eclesiástica (bispos, padres e leigos), os quais não aderindo à
opressão do Estado, estarão engajados na luta pelos vulneráveis da sociedade,
os oprimidos e marginalizados. As comunidades eclesiais de base (CEBs), nesse
contexto, terão papel elementar de contribuição na busca pela justiça.
Diante do processo de democratização, a Igreja voltará a manter relações
de diálogo com o Estado, estando presente, inclusive, nas discussões sobre a
Assembleia Constituinte, como tentativa de resposta aos anseios populares. A
CNBB mostrar-se-á atenta a que assuntos de caráter familiar sejam tratados e
equacionados. Frei Lustosa cita, por exemplo, a problemática sobre o divórcio,
surgida no passado, retomada e legalizada já em 1976.
A Igreja, vivenciando seu papel social, colocará em pauta argumentos que valorizem
a política a partir da interpretação à luz da fé, defendendo os princípios
evangélicos acima dos partidarismos existentes.
O autor percebe as falhas nesse processo, que pelas alianças
Estado-Igreja, se perderam atitudes de defesa ao povo. Porém, sua análise não
se afirmará em todo negativa no que se refere a seus juízos intelectuais:
avaliará um resgate da imagem do Cristo-Bom Pastor na comunidade católica
brasileira, não apagando as seqüelas, em plenitude, do sistema corrompido do
matrimônio institucional-estatal inaugurado já por Constantino (313) e postergado
(transferido) para nossa realidade séculos adiante. Todavia de modo diferente, Lustosa
indica em seus apontamentos, a vivência retomada, nos últimos tempos, do
anúncio da Boa Nova aos pobres (dinâmica de ir ao encontro), que é missão
inegociável da Ecclesia Cristã
Católica.
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