segunda-feira, 10 de junho de 2013

Igreja e regime político militar no Brasil


Resenha do texto: LUSTOSA, Oscar Figueiredo. Igreja e regime político militar no Brasil: o ritmo das contradições (1964-1984). In: ID. A Igreja católica no Brasil República. São Paulo: Paulinas, 1991, 72-88.

 Felipe Sardinha Bueno
 

“[...] Igreja como comunidade a serviço do povo” (p. 85) – a configuração histórica da Igreja Católica no Brasil no período militar-ditatorial, correspondente ao período de 1964 a 1984, nem sempre assumiu a postura prevista pela citação inicial desse texto: devido à “marxismopatia” presente nos círculos católicos, com a derrubada do governo de João Goulart (de tendência populista com alianças esquerdistas), a Igreja mostrou-se favorável, de início, à pseudo-ordem estabelecida pelos militares, os quais se apresentaram, em muitos casos, como “cristãos” no que tange a sua identidade religiosa oficial (Ernesto Geisel era protestante) e respeitadores dos direitos das igrejas, sendo, tal colaboração, com o Estado e aos “interesses da pátria”, uma artimanha ideológica de utilização da Igreja na contribuição aos interesses desses detentores da autoridade política (generais e marechais à frente do país): Costa e Silva, por exemplo, encontrando-se com o papa Paulo VI, na segunda metade dos anos sessenta, em gentilezas ao pontífice, indicaria, não verdadeiramente, um clima idealista de paz e entendimento, sem atitudes de pressão aos membros da Igreja envolvidos com o propalar de um Brasil distinto.

Já no engatinhar do regime, a religião católica foi observando as falácias presentes no agir daqueles que deveriam prover o bem comum. Com a Lei de Segurança Nacional adjunta aos atos institucionais promulgados pelo poder executivo, além do modelo de educação das consciências por meio de disciplinas escolares tais qual Moral e Cívica, a Igreja foi se mostrando contrária a esse “modelo de ser estatal” – pode-se aqui se lembrar do Centro de Estudos e Ação Social da Bahia, mantido pelos jesuítas, que denunciava a cúpula governamental por se apoiar sobre o campo “estritamente espiritual” da Igreja, i.e., a tentativa de calar seus posicionamentos sócio-políticos em detrimento do cumprimento único da função transcendente do anúncio cristão. A ditadura, nesse sentido, se degenerará, permitindo-se à tortura, perseguição e até morte de “inimigos políticos”, aqueles que não jogavam com as regras do sistema vigente. Entre as vítimas podemos apontar padre Henrique Pereira, assassinado em 1969, assistente de Dom Hélder Câmara (arcebispo de Olinda e Recife). Havendo também observação atenta dos militares a algumas lideranças eclesiais desse tempo como a D. Pedro Casaldáliga (S. Félix do Araguaia), D. Paulo Evaristo Arns (São Paulo), D. Tomás Balduino (Goiás), D. Estevão Avelar (Conceição do Araguaia) e D. Alano Pena (Marabá-Pará), sendo os dois últimos passivos de interrogatório pelo exército em Belém do Pará, na pessoa do general Euclides de Figueiredo.

“A Igreja oficial começa a abrir os olhos e tomar consciência de que o governo dos militares tinha ido longe demais na política de coerção [...]” (p. 80) – esse comportamento se denotará de forma direta na comunidade católica (não em sua totalidade, pois alguns fieis direitistas-burgueses permanecerão ao lado do governo tirânico) pela participação em atos coletivos anti-repressão (casos de W. Herzog e Manuel Fiel Filho) e indireta, pelo processo de conscientização política, crítica e objetiva, manifesto em publicações da CNBB como “Exigências cristãs de uma Ordem Política” (1973), “Comunicação Pastoral ao Povo de Deus” (1976), “Reflexão cristã sobre a conjuntura política” (1981), “Por uma nova ordem constitucional” (1986). Será nesse contexto que se desenvolverá um compromisso forte na causa dos pobres por parte de setores da hierarquia eclesiástica (bispos, padres e leigos), os quais não aderindo à opressão do Estado, estarão engajados na luta pelos vulneráveis da sociedade, os oprimidos e marginalizados. As comunidades eclesiais de base (CEBs), nesse contexto, terão papel elementar de contribuição na busca pela justiça.

Diante do processo de democratização, a Igreja voltará a manter relações de diálogo com o Estado, estando presente, inclusive, nas discussões sobre a Assembleia Constituinte, como tentativa de resposta aos anseios populares. A CNBB mostrar-se-á atenta a que assuntos de caráter familiar sejam tratados e equacionados. Frei Lustosa cita, por exemplo, a problemática sobre o divórcio, surgida no passado, retomada e legalizada já em 1976.

A Igreja, vivenciando seu papel social, colocará em pauta argumentos que valorizem a política a partir da interpretação à luz da fé, defendendo os princípios evangélicos acima dos partidarismos existentes.

O autor percebe as falhas nesse processo, que pelas alianças Estado-Igreja, se perderam atitudes de defesa ao povo. Porém, sua análise não se afirmará em todo negativa no que se refere a seus juízos intelectuais: avaliará um resgate da imagem do Cristo-Bom Pastor na comunidade católica brasileira, não apagando as seqüelas, em plenitude, do sistema corrompido do matrimônio institucional-estatal inaugurado já por Constantino (313) e postergado (transferido) para nossa realidade séculos adiante. Todavia de modo diferente, Lustosa indica em seus apontamentos, a vivência retomada, nos últimos tempos, do anúncio da Boa Nova aos pobres (dinâmica de ir ao encontro), que é missão inegociável da Ecclesia Cristã Católica.

 

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