Resenha à obra (trilogia) “Jesus de
Nazaré” – do teólogo Joseph Ratzinger[1]
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Metodologia
Segundo o prefácio da primeira parte
de sua obra, Joseph Ratzinger iniciou seu sonho de construção do texto “Jesus
de Nazaré”, alguns anos antes de sua nomeação como sumo pontífice da Igreja
Católica Apostólica Romana, por meio do colégio cardinalício, no conclave do
ano de 2005, após o falecimento do papa João Paulo II.
Sendo o corpus elaborado em três volumes, possui como temática central a
abordagem sobre a pessoa “Jesus de Nazaré”, cuja figura é fundamental na fé
cristã, não tanto como uma teoria, todavia uma persona, o próprio Deus feito carne, manifesto na vida concreta –
quotidiana, cuja relação com a humanidade revelou e permanece revelando o amor
divino filial para com todos os homens.
Ratzinger deixa claro que apesar da
publicação desse grande comentário sobre Jesus, durante seu pontificado, não o
apresenta em um formato magisterial, i.é, explicitando seu feitio singularizado,
ou seja, fruto de experiência e elaboração de reflexão próprias, passível à
contestação teológico-literária de outrem.
Já nos meandros da primeira parte de
“Jesus de Nazaré”, enfatiza o valor da exegese bíblica, principalmente
recorrendo a alguns dados histórico-eclesiásticos, como a publicação da
encíclica: Divino afflante spiritu em
1943, cuja abertura eclesial à pesquisa hermenêutico-exegética, sob a perspectiva
metodológica histórico-crítica funcionou como um despertar e impulso para os
estudiosos católicos, tais qual Rudolf Schnackenburg, citado por Ratzinger no
prefácio de seu volume primeiro.
Outros documentos relevantes do
magistério como a constituição conciliar “Dei Verbum” (do Vaticano II) e os da
Pontifícia Comissão Bíblica: “A interpretação da Bíblia na Igreja” e “O povo
judeu e a sua Escritura Sagrada na Bíblia cristã” também se mostraram
elementares para o elucubrar teológico de Ratzinger.
Esse defenderá a importância
inenarrável e irrenunciável da exegese histórico-crítica, a investigação das
tradições engendradoras dos textos: seu caráter histórico de erguimento
escriturístico.
Entretanto,
não a apresentará como o único modelo de “mergulho” interpretativo nas Sagradas
Escrituras, seguindo os passos do próprio Magistério, o qual aponta, por
exemplo, a exegese canônica, a partir da totalidade já formada e presente dos
livros bíblicos constituídos no cânon.
Propõe não um encontro teórico com
um ícone da história global, não obstante, uma aproximação autêntica com o
Jesus, pessoa, que também sendo histórico, é o “Cristo da fé” – rompendo assim
a dicotomia estabelecida nos anos de 1950, imanente aos âmbitos acadêmicos.
Sua teologia, dessa forma, ratifica
a unidade defendida pela Igreja entre as dimensões humana e divina de Jesus, e
indica, nas sutilezas de seu fazer teológico, um caminho de discipulado e
encontro personalizados com o Senhor.
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“Jesus
de Nazaré”: volume I
No
que tange à estrutura de “Jesus de Nazaré”, não por acaso, Ratzinger escolhe
introduzir através do volume primeiro o ministério do Galileu: partindo do
batismo no rio Jordão até o evento da Transfiguração, pelo qual no conjunto da
vida pública jesuânica, pouco a pouco, o caráter messiânico (crístico) vai
sendo desvelado.
No que se refere aos capítulos, se subdividem,
respectivamente, da seguinte maneira: o batismo de Jesus; as tentações de
Jesus; o Evangelho do Reino de Deus; o sermão da Montanha; a oração do Senhor;
os discípulos; a mensagem das parábolas; as grandes imagens de São João; duas
balizas importantes no caminho de Jesus: a confissão de Pedro e a Transfiguração;
e as autoafirmações de Jesus.
O Reino de Deus:
“Depois de João ter sido preso, Jesus veio
para a Galileia. Ele pregava o Evangelho de Deus e dizia: Completou-se o tempo,
o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e acreditai no Evangelho” (Mc
1,14ss) – Ratzinger apresenta ainda nesse primeiro livro, conforme citado acima
(no capítulo terceiro) a questão sobre o Reino de Deus, princípio conceitual
tão debatido pelos teólogos, apesar de unanimemente se aceitar como o centro do
anúncio evangélico.
Alguns
tendem a gerar certa esquizofrenia entre o Reino, Jesus e a Igreja, secundum a denúncia do Autor. Outra visão
concorde a Ratzinger defenderá, em contrapartida, a complementação semântica
entre eles.
O
Teólogo cita três proposições:
Uma
configura-se a partir do Reino como a identificação imediata com o próprio
Jesus, uma espécie de “autobasileia”
(Orígenes): Jesus é o Reino feito presença já no meio de nós.
A
outra, sob uma perspectiva idealista: o Reino como algo proveniente do interior
(espiritual) advindo para a atuação do homem (do interior para a ação), e ainda
como uma explicação eclesiológica: não a plena equivalência, mas a aproximação
entre Reino e Igreja.
Certamente,
não se poderá negar a relação dos pontos-de-vista elencados entre si, contudo
deve-se ter em conta que os evangelhos transparecem uma realidade maior acerca
do Reino:
São
abarcadas diversas realidades, as quais revelam um projeto de Deus de reinar no
mundo, ou seja, onde a Presença, que é Jesus-Reino, auxiliada pela Igreja (promotora
das sementes do Reino), transmite os valores de um mundo distinto, onde a
solidariedade e o amor devem ser as bandeiras norteadoras da práxis.
Conforme essa conjunção dos conceitos acima
reiterados, o Reino não se esgota em uma única perspectiva, mas se abre para o
maior, para o bem instaurado no meio dos homens, como primícias do sinal
escatológico de vida plena (cf. Jo 10,10) para todos, culminada na eternidade.
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Jesus
de Nazaré: volume II
Dando
continuidade à sua produção intelectual, o papa redige mais dois volumes
completando o ciclo acerca de “Jesus de Nazaré”.
O
volume segundo com o subtítulo: “Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição” –
açambarca exatamente o período crítico, e ao mesmo tempo, grandioso do
ministério jesuânico, dos momentos antecedentes à sua paixão e morte, ao
mistério da ressurreição, o qual é envolto.
Sendo
o filho de Deus morto, poderá haver esperança?
A
glorificação de Deus pela ressurreição permitirá uma nova hermenêutica para os
homens, responde a reflexão “ratzingeriana”.
O
Cristo (Messias), salvador, ressuscitado, não como um cadáver retornado, mas
qual um corpo novo, transfigurado, sinal da nova criação inaugurada,
permitir-se-á aos homens uma fé inquebrantável, aberta para o infinito, ao
transcendente ilimitado, construtor de um mundo distinto, da ressurreição de
todos, da definitiva “vitalização” da humanidade.
Essa se engendrará como uma das
temáticas inseridas na segunda parte de Jesus de Nazaré, cuja subdivisão
estrutural dá-se pelos seguintes capítulos, respectivamente: entrada em
Jerusalém e purificação do templo; o discurso escatológico de Jesus; o
lava-pés; a oração sacerdotal de Jesus; a última ceia; Getsêmani; o processo de
Jesus; a crucifixão e a deposição de Jesus no sepulcro; e a ressurreição de
Jesus da morte.
O papa voltará a afirmar a necessidade
de ultrapassar os princípios metodológicos da exegese histórico-crítica, e
fundamentará não a pretensão de redação de um manual de cristologia, mormente o
seu caráter de valorização, através de suas sinuosidades textuais, o encontro
pessoal com o Cristo Jesus:
Procurei
desenvolver um olhar sobre o Jesus dos Evangelhos e uma escuta d´Ele que
pudesse tornar-se um encontro e, todavia, na escuta em comunhão com os
discípulos de Jesus de todos os tempos, chegar também à certeza da figura
verdadeiramente histórica de Jesus (BENTO XVI, 2011, p. 14).
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Jesus
de Nazaré: volume III
À
guisa de conclusão de seu ensaio teológico, Bento XVI compõe a terceira e
última parte, intitulada: “A infância de Jesus”.
Apesar
de sua não grande extensão redacional, tal opúsculo possui profundidade
reflexiva, apresentando alguns elementos conectados aos denominados “evangelhos
da infância” em Lucas e Mateus.
Ratzinger
apresenta algumas singularidades, inclusive questionadas peculiarmente pela
sociedade, como a questão do presépio, muito mais um símbolo, do que uma
concretude histórica, no tocante aos detalhes de quantos e quais animais
estavam naquele momento.
Os capítulos se subdividirão da seguinte
maneira, respectivamente: “de onde és Tu?” (Jo 19,9); o anúncio do nascimento
de João Batista e de Jesus; o nascimento de Jesus em Belém; e os magos do
Oriente e a fuga para o Egito.
O texto conclui-se com um epílogo sobre
a adolescência de Jesus, fase também envolta por mistério, mas que ilumina uma
fase importante na vida do Galileu – seu estar com a família e o povo local,
constituintes de sua identidade subjetiva como um ser histórico, encarnado em
uma realidade específica.
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Considerações
finais:
Entre os pontos destacados, ainda no
prefácio do terceiro tomo, Ratzinger introduz com uma bela afirmação,
fundamental para o estudo cristológico, a qual, também colocamos como predição ao
término deste trabalho de comentário textual:
“Estou bem ciente de que esse diálogo,
na ligação entre passado, presente e futuro, não poderá jamais dar-se por
completo e de que toda interpretação fica aquém da grandeza do texto bíblico”
(BENTO XVI, 2012, p. 10).
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Referências
bibliográficas:
BENTO
XVI. Jesus de Nazaré: Do Batismo no
Jordão à Transfiguração. 2ª Ed. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007. Vol
I.
BENTO
XVI. Jesus de Nazaré: Da entrada em
Jerusalém até a Ressurreição. São Paulo: Planeta do Brasil, 2011. Vol. II.
BENTO
XVI. A infância de Jesus. São Paulo:
Planeta do Brasil, 2012. Vol. III.
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