segunda-feira, 10 de junho de 2013

Resenha à obra (trilogia) “Jesus de Nazaré”


Resenha à obra (trilogia) “Jesus de Nazaré” – do teólogo Joseph Ratzinger[1]

 Felipe Sardinha Bueno

·         Metodologia

 

            Segundo o prefácio da primeira parte de sua obra, Joseph Ratzinger iniciou seu sonho de construção do texto “Jesus de Nazaré”, alguns anos antes de sua nomeação como sumo pontífice da Igreja Católica Apostólica Romana, por meio do colégio cardinalício, no conclave do ano de 2005, após o falecimento do papa João Paulo II.

            Sendo o corpus elaborado em três volumes, possui como temática central a abordagem sobre a pessoa “Jesus de Nazaré”, cuja figura é fundamental na fé cristã, não tanto como uma teoria, todavia uma persona, o próprio Deus feito carne, manifesto na vida concreta – quotidiana, cuja relação com a humanidade revelou e permanece revelando o amor divino filial para com todos os homens.

            Ratzinger deixa claro que apesar da publicação desse grande comentário sobre Jesus, durante seu pontificado, não o apresenta em um formato magisterial, i.é, explicitando seu feitio singularizado, ou seja, fruto de experiência e elaboração de reflexão próprias, passível à contestação teológico-literária de outrem.

            Já nos meandros da primeira parte de “Jesus de Nazaré”, enfatiza o valor da exegese bíblica, principalmente recorrendo a alguns dados histórico-eclesiásticos, como a publicação da encíclica: Divino afflante spiritu em 1943, cuja abertura eclesial à pesquisa hermenêutico-exegética, sob a perspectiva metodológica histórico-crítica funcionou como um despertar e impulso para os estudiosos católicos, tais qual Rudolf Schnackenburg, citado por Ratzinger no prefácio de seu volume primeiro.

            Outros documentos relevantes do magistério como a constituição conciliar “Dei Verbum” (do Vaticano II) e os da Pontifícia Comissão Bíblica: “A interpretação da Bíblia na Igreja” e “O povo judeu e a sua Escritura Sagrada na Bíblia cristã” também se mostraram elementares para o elucubrar teológico de Ratzinger.

            Esse defenderá a importância inenarrável e irrenunciável da exegese histórico-crítica, a investigação das tradições engendradoras dos textos: seu caráter histórico de erguimento escriturístico.

Entretanto, não a apresentará como o único modelo de “mergulho” interpretativo nas Sagradas Escrituras, seguindo os passos do próprio Magistério, o qual aponta, por exemplo, a exegese canônica, a partir da totalidade já formada e presente dos livros bíblicos constituídos no cânon.

            Propõe não um encontro teórico com um ícone da história global, não obstante, uma aproximação autêntica com o Jesus, pessoa, que também sendo histórico, é o “Cristo da fé” – rompendo assim a dicotomia estabelecida nos anos de 1950, imanente aos âmbitos acadêmicos.

            Sua teologia, dessa forma, ratifica a unidade defendida pela Igreja entre as dimensões humana e divina de Jesus, e indica, nas sutilezas de seu fazer teológico, um caminho de discipulado e encontro personalizados com o Senhor.

 

·         “Jesus de Nazaré”: volume I

 

No que tange à estrutura de “Jesus de Nazaré”, não por acaso, Ratzinger escolhe introduzir através do volume primeiro o ministério do Galileu: partindo do batismo no rio Jordão até o evento da Transfiguração, pelo qual no conjunto da vida pública jesuânica, pouco a pouco, o caráter messiânico (crístico) vai sendo desvelado.

No que se refere aos capítulos, se subdividem, respectivamente, da seguinte maneira: o batismo de Jesus; as tentações de Jesus; o Evangelho do Reino de Deus; o sermão da Montanha; a oração do Senhor; os discípulos; a mensagem das parábolas; as grandes imagens de São João; duas balizas importantes no caminho de Jesus: a confissão de Pedro e a Transfiguração; e as autoafirmações de Jesus.

 

O Reino de Deus:

 

 “Depois de João ter sido preso, Jesus veio para a Galileia. Ele pregava o Evangelho de Deus e dizia: Completou-se o tempo, o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e acreditai no Evangelho” (Mc 1,14ss) – Ratzinger apresenta ainda nesse primeiro livro, conforme citado acima (no capítulo terceiro) a questão sobre o Reino de Deus, princípio conceitual tão debatido pelos teólogos, apesar de unanimemente se aceitar como o centro do anúncio evangélico.

Alguns tendem a gerar certa esquizofrenia entre o Reino, Jesus e a Igreja, secundum a denúncia do Autor. Outra visão concorde a Ratzinger defenderá, em contrapartida, a complementação semântica entre eles.

O Teólogo cita três proposições:

Uma configura-se a partir do Reino como a identificação imediata com o próprio Jesus, uma espécie de “autobasileia” (Orígenes): Jesus é o Reino feito presença já no meio de nós.

A outra, sob uma perspectiva idealista: o Reino como algo proveniente do interior (espiritual) advindo para a atuação do homem (do interior para a ação), e ainda como uma explicação eclesiológica: não a plena equivalência, mas a aproximação entre Reino e Igreja.

Certamente, não se poderá negar a relação dos pontos-de-vista elencados entre si, contudo deve-se ter em conta que os evangelhos transparecem uma realidade maior acerca do Reino:

São abarcadas diversas realidades, as quais revelam um projeto de Deus de reinar no mundo, ou seja, onde a Presença, que é Jesus-Reino, auxiliada pela Igreja (promotora das sementes do Reino), transmite os valores de um mundo distinto, onde a solidariedade e o amor devem ser as bandeiras norteadoras da práxis.

 Conforme essa conjunção dos conceitos acima reiterados, o Reino não se esgota em uma única perspectiva, mas se abre para o maior, para o bem instaurado no meio dos homens, como primícias do sinal escatológico de vida plena (cf. Jo 10,10) para todos, culminada na eternidade.

 

·         Jesus de Nazaré: volume II

 

Dando continuidade à sua produção intelectual, o papa redige mais dois volumes completando o ciclo acerca de “Jesus de Nazaré”.

O volume segundo com o subtítulo: “Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição” – açambarca exatamente o período crítico, e ao mesmo tempo, grandioso do ministério jesuânico, dos momentos antecedentes à sua paixão e morte, ao mistério da ressurreição, o qual é envolto.

Sendo o filho de Deus morto, poderá haver esperança?

A glorificação de Deus pela ressurreição permitirá uma nova hermenêutica para os homens, responde a reflexão “ratzingeriana”.

O Cristo (Messias), salvador, ressuscitado, não como um cadáver retornado, mas qual um corpo novo, transfigurado, sinal da nova criação inaugurada, permitir-se-á aos homens uma fé inquebrantável, aberta para o infinito, ao transcendente ilimitado, construtor de um mundo distinto, da ressurreição de todos, da definitiva “vitalização” da humanidade.

Essa se engendrará como uma das temáticas inseridas na segunda parte de Jesus de Nazaré, cuja subdivisão estrutural dá-se pelos seguintes capítulos, respectivamente: entrada em Jerusalém e purificação do templo; o discurso escatológico de Jesus; o lava-pés; a oração sacerdotal de Jesus; a última ceia; Getsêmani; o processo de Jesus; a crucifixão e a deposição de Jesus no sepulcro; e a ressurreição de Jesus da morte.

O papa voltará a afirmar a necessidade de ultrapassar os princípios metodológicos da exegese histórico-crítica, e fundamentará não a pretensão de redação de um manual de cristologia, mormente o seu caráter de valorização, através de suas sinuosidades textuais, o encontro pessoal com o Cristo Jesus:

 

Procurei desenvolver um olhar sobre o Jesus dos Evangelhos e uma escuta d´Ele que pudesse tornar-se um encontro e, todavia, na escuta em comunhão com os discípulos de Jesus de todos os tempos, chegar também à certeza da figura verdadeiramente histórica de Jesus (BENTO XVI, 2011, p. 14).

 

·         Jesus de Nazaré: volume III

 

À guisa de conclusão de seu ensaio teológico, Bento XVI compõe a terceira e última parte, intitulada: “A infância de Jesus”.

Apesar de sua não grande extensão redacional, tal opúsculo possui profundidade reflexiva, apresentando alguns elementos conectados aos denominados “evangelhos da infância” em Lucas e Mateus.

Ratzinger apresenta algumas singularidades, inclusive questionadas peculiarmente pela sociedade, como a questão do presépio, muito mais um símbolo, do que uma concretude histórica, no tocante aos detalhes de quantos e quais animais estavam naquele momento.

Os capítulos se subdividirão da seguinte maneira, respectivamente: “de onde és Tu?” (Jo 19,9); o anúncio do nascimento de João Batista e de Jesus; o nascimento de Jesus em Belém; e os magos do Oriente e a fuga para o Egito.

O texto conclui-se com um epílogo sobre a adolescência de Jesus, fase também envolta por mistério, mas que ilumina uma fase importante na vida do Galileu – seu estar com a família e o povo local, constituintes de sua identidade subjetiva como um ser histórico, encarnado em uma realidade específica.

 

·         Considerações finais:

 

Entre os pontos destacados, ainda no prefácio do terceiro tomo, Ratzinger introduz com uma bela afirmação, fundamental para o estudo cristológico, a qual, também colocamos como predição ao término deste trabalho de comentário textual:

“Estou bem ciente de que esse diálogo, na ligação entre passado, presente e futuro, não poderá jamais dar-se por completo e de que toda interpretação fica aquém da grandeza do texto bíblico” (BENTO XVI, 2012, p. 10).

 

·         Referências bibliográficas:

 

BENTO XVI. Jesus de Nazaré: Do Batismo no Jordão à Transfiguração. 2ª Ed. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007. Vol I.

 

BENTO XVI. Jesus de Nazaré: Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. São Paulo: Planeta do Brasil, 2011. Vol. II.

 

BENTO XVI. A infância de Jesus. São Paulo: Planeta do Brasil, 2012. Vol. III.



[1] Referências citadas no fim deste trabalho.

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